sábado, 25 de fevereiro de 2012

Por que ainda existe a experimentação animal? - por Sergio Greif

Mais um da série de artigos de Sergio Greif, este referido exatamente à pergunta que muitos hoje ainda se fazem. Parte do conjunto de informações que todos deveríamos ter.


Por que ainda existe a experimentação animal?  
- por Sergio Greif

Em minhas palestras frequentemente sou questionado sobre o porquê de, havendo tantas evidências de que a experimentação animal é inútil na promoção do bem-estar e da saúde da população e, pelo contrário, se é fato de ela frequentemente contribuir para o erro médico e o surgimento de novas doenças, ainda assim insiste-se na experimentação animal.

 A resposta é bastante simples, correndo até o risco de ser simplista. Em resumo grande parte da explicação passa pelos interesses de instituições, governos e indivíduos que lucram com a experimentação animal. Não se trata de um pequeno grupo de indivíduos que defende uma pequena fatia lucrativa do mercado. Trata-se de um lobby muito bem estruturado que defende o interesse das indústrias mais lucrativas do mundo. E a argumentação para essa defesa com frequência passa longe da técnica. 



Geralmente essas instituições, governos e indivíduos apresentam-se como preocupados com o bem-estar da população, com a saúde pública, etc. Invariavelmente colocam a experimentação animal como única forma possível de garantir esse estado de saúde e frequentemente pintam a imagem das instituições e indivíduos que se opõem à experimentação animal como inimigos da humanidade, insanos, obscurantistas e termos de mais baixo calão. Ou seja, o apelo utilizado é mais tendente ao emocional do que ao lógico, embora esse emocionalismo seja revestido de um viés cientifico (ou pseudocientífico).

Por melhor que seja a argumentação contrária à experimentação animal, ela não vence um título de doutorado em uma boa universidade estrangeira, um bom cargo em uma instituição de pesquisa de renome, dezenas de publicações em periódicos reconhecidos e, enfim, um currículo de muitas páginas, pois, afinal, é isso que impressiona a maioria das pessoas.

 No entanto, isso não bastando, o grande lobby da experimentação animal conta com mais um importante aliado: se grande parte da argumentação contrária à experimentação animal refere-se aos direitos irrevogáveis e inalienáveis que os animais têm à vida, o lobby conta também com uma legião de autointitulados e autopromovidos defensores de animais que reconhecem “a importância da experimentação animal”, apesar de reconhecerem que “animais têm direitos” e que, dessa forma, buscam conciliar essas duas visões. Ou seja, a de que devemos continuar utilizando animais embora reconhecendo seus direitos. 

Na prática isso significa diminuir ao máximo a quantidade de animais “necessários” para cada experimento e o refinamento das técnicas utilizadas, de modo a evitar o sofrimento animal, dentro do possível. Esse aparente posicionamento equilibrado, em verdade, não passa de um embuste. Porque como é possível que se reconheça que um indivíduo (seja ele um ser humano ou um animal) possa ter direitos e, ao mesmo tempo, defender que esses direitos podem ser revogados desde que para benefício de outros indivíduos.

É claro que qualquer pessoa que defenda essa ideia não reconhece, simplesmente, que animais têm direitos. Esses indivíduos podem até se envolver em passeatas antipele, em atividades antirrodeio, em campanhas de castração de cães e gatos, podem ser escolhidos por programas de TV como representantes da causa animal por sua empatia, sua postura perante as câmeras, por sua capacidade de oratória, ou por outro motivo que seja, mas a verdade é que essas pessoas não defendem a causa que dizem defender.

Esses “representantes da proteção animal” atacam as pessoas que realmente defendem os interesses dos animais acusando-as de insensatas e pouco realistas. Dizem lutar pela mesma causa, mas na prática lutam pela causa oposta. É curioso que, em alguns casos, esses defensores de animais componham bancas que literalmente autorizam cada experimento realizado em animais e, inclusive, sejam eles mesmos vivissectores.

Alguém poderia se questionar de onde provém o dinheiro que patrocina algumas das entidades “protetoras de animais” (e não raro enriquece sua alta cúpula). Ora, esse dinheiro vem de empresas como a Unilever, o McDonalds, a Glaxo, a Ciba-Geisy, a Purina, entre outras.



Contribuir com uma entidade de “proteção animal”, sem antes questionar a fundo sua ideologia e o seu posicionamento perante diferentes assuntos, pode significar promover o contrário do que se pretende. Mesmo uma entidade que abertamente proclame ser totalmente contrária à experimentação animal, promova métodos alternativos e produtos não testados em animais pode, por outro lado, trabalhar para a continuidade e a valorização da experimentação animal.

O público normalmente aceita de forma passiva o que declaram os especialistas: cientistas, em diversas áreas de especialização; “protetores de animais”, que aparentemente dedicam suas vidas a trabalhar pelos animais. Quando esses dois grupos defendem exatamente a mesma ideia, ou seja, que a experimentação animal é algo positivo e de alguma forma aceitável, aquele que tem posicionamento contrário aparece como radical ou insano.



 Para o cidadão comum, preocupado com outras questões e sem disposição para se aprofundar no tema, o “caminho do meio”, sem “radicalismos” e “extremismos”, parece ser a melhor solução. Ao menos uma solução confortável, já que na prática não muda em nada a situação corrente.

Porém, o próprio senso de justiça impõe que nenhum julgamento seja feito sem considerar bem todos os fatos. E isso exige que nos aprofundemos no tema. Enquanto as pessoas insistirem em dar um tratamento superficial ao mesmo, a experimentação animal continuará existindo.

Fonte: ANDA - Agência de Notícias de Direitos

Animais Sérgio Greif - sergio_greif@yahoo.com
Biólogo formado pela UNICAMP, mestre em Alimentos e Nutrição com tese em nutrição vegetariana pela mesma universidade, ativista pelos direitos animais, vegano desde 1998, consultor em diversas ações civis publicas e audiências públicas em defesa dos direitos animais.
Co-autor do livro "A Verdadeira Face da Experimentação Animal: A sua saúde em perigo" e autor de "Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação: pela ciência responsável", além de diversos artigos e ensaios referentes à nutrição vegetariana, ao modo de vida vegano, aos direitos ambientais, à bioética, à experimentação animal, aos métodos substitutivos ao uso de animais na pesquisa e na educação e aos impactos da pecuária ao meio ambiente, entre outros temas. Realiza palestras nesse mesmo tema. Membro fundador da Sociedade Vegana.

4 comentários:

  1. Poxa muito interessante este artigo. Realmente existem mtas pessoas mascaradas. Como podemos ter certeza que uma organização é confiável no sentido de realmente proteger os direitos dos animais????

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  2. Excelente artigo! Recentemente saiu no site do jornal Estado de Minas uma reportagem a respeito de pesquisas com animais e apareceu justamente esse tipo de gente que se diz preocupado com animais mas trás dessa bonomia não deixa de usá-los em seus "experimentos". Dá uma olhada aí: http://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2012/07/01/interna_tecnologia,303576/movimento-pede-que-cientistas-levem-em-consideracao-bem-estar-de-cobaias-animais.shtml

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  3. Parabéns! O autor demonstra ser um profissional que não aceita o "sempre foi assim", procura desnaturalizar os processos políticos e sociais inerentes a sua profissão e à Ciência. Tomara que outros também tenham posições questionadoras e que não aceitam a naturalizam dos processos sociais, políticos e históricos.

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  4. Excelente trabalho. Explicita a canalhice existente, ainda que encoberta. O ser humano não se dá conta de tamanha ignorância. Que lástima.

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